Um dos oficiais do Exército suspeitos de trama golpista, que incluiria a morte de Lula (PT), Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro do STF Alexandre de Moraes, falou em “guerra civil” caso a “rédea” não fosse tomada de imediato.
“Se nós não tomarmos a rédea agora, depois eu acho que vai ser pior. Na realidade vai ser guerra civil agora ou guerra civil depois. Só que a guerra civil agora tem uma justificativa, o povo tá na rua, nós temos aquele apoio maciço”, afirmou o coronel Roberto Raimundo Criscouli em áudio recuperado pela Polícia Federal.
As conversas são parte das provas utilizadas pela PF para indiciar Jair Bolsonaro (PL) e outras 36 pessoas pela trama golpista para evitar a posse de Lula em 2022.
Além de Bolsonaro, foram indiciados o general da reserva Braga Netto, ex-ministro da Defesa e vice em 2022 na chapa derrotada. Militares são maioria entre os suspeitos —25 no total.
“Daqui a pouco nós vamos entrar numa guerra civil, porque daqui a alguns meses esse cara vai destruir o Exército, vai destruir tudo”, disse Criscouli em outro trecho da conversa.
De acordo com os autos da investigação, Criscouli enviou o áudio ao general Mário Fernandes em 4 de novembro de 2022, poucos dias após Lula derrotar Bolsonaro.
Fernandes foi preso na terça (19) na operação Contragolpe. Ele é apontado como responsável pelo plano para matar o então presidente eleito, Lula, o vice, Alckmin, e Moraes, do Superior Tribunal Federal.
Em outro trecho, de acordo com o relatório policial, Criscouli pergunta se vai esperar o Brasil se transformar em uma Venezuela “para virar o jogo”.
“Democrata é o cacete, não tem que ser democrata mais agora. ‘Ah, não vou sair das quatro linhas’, acabou o jogo, pô. Não tem mais quatro linhas”, afirmou.
“Agora o povo na rua tá pedindo ‘pelo amor de Deus’. Vai dar uma guerra civil? Vai dar, eu tenho certeza, porque os vermelhos vão vir feroz. Mas nós estamos esperando o quê? Dando um tempo para eles se organizarem melhor para a guerra ser pior? Irmão, vamos agora, fala com o 01 aí, cara. É agora”, afirmou, sem dizer a quem estava se referindo como o número 1.
A PF afirma no documento que os investigados estavam preocupados com os movimentos antidemocráticos que estavam nas ruas, “principalmente com a possibilidade de perder o controle sobre a massa de pessoas envolvidas nas manifestações”.
“No mais, indica que o golpe pode restar frustrado, caso muito tempo seja esperado, pois, a partir do dia 20 de dezembro, o Comando Militar seria ‘passado’ para militares indicados pelo governo eleito, citado na mensagem como ‘eventual governo do presidiário'”, diz um trecho do documento.
No dia 8 de novembro, de acordo com a polícia, Fernandes enviou mensagem a Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, em que relata sua atuação diretamente “junto às forças”, além de orientação ao “pessoal do agro” e caminhoneiros. O militar pede que o assunto seja levado ao então presidente. Em resposta, Cid afirma que conversaria com Bolsonaro e que o tempo “tá curto”.
“Não, pode deixar, general. Vou conversar com o presidente. O negócio é que ele tem essa personalidade às vezes. Ele espera, espera, espera, espera pra ver até onde vai, ver os apoios que tem. Só que às vezes o tempo tá curto, não dá pra esperar muito mais passar. Dia 12 seria… Teria que ser antes do dia 12, mas com certeza não vai acontecer nada”, disse.
Golpe antes da diplomação
Em uma conversa interceptada pela PF, Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro, defendeu que o golpe fosse antes do “dia 12”, em referência, segundo a PF, à diplomação de Lula.
“Vou conversar com o presidente [Bolsonaro]. O negócio é que ele tem essa personalidade, às vezes. Ele espera [..] pra ver até onde vai, ver os apoios que tem. Mas, as vezes, o tempo tá curto. Não dá pra esperar muito mais passar. Teria que ser antes do dia 12, mas com certeza não vai acontecer nada”, afirmou Cid em áudio a Fernandes.
O general também enviou um áudio a Cid em que demonstra preocupação com o futuro das manifestações. Ele relembra que teria conversado com Bolsonaro e que, na ocasião, o então presidente teria dado aval para uma ação até 31 de dezembro.
Ainda se referindo à conversa com Bolsonaro, Fernandes disse que teria transmitido o receio de que manifestações que ocorriam em frente aos quartéis se enfraquecessem.
“A partir da semana que vem, eu cheguei a citar isso pra ele [Bolsonaro], das duas uma: os movimentos de manifestação na rua, ou eles vão esmaecer ou vão recrudescer. Recrudescer com radicalismos e a gente perde o controle. Pode acontecer de tudo. Mas podem esmaecer também”, disse Fernandes.
Depoimento de hacker
A PF também identificou uma outra troca de mensagens de Criscuoli e Mário Fernandes em que tratam sobre o depoimento de um hacker que teria informações sobre fraudes nas urnas eletrônicas.
Nos áudios obtidos pelos investigadores, Fernandes pediu o contato de um delegado para Criscuoli. O policial a quem o general se refere é Victor Carvalho, então superintendente da PF no Distrito Federal e atual secretário da Segurança Pública do Rio.
Em resposta, o coronel enviou uma mensagem que teria remetido: “Força, Victor, tudo bem? Victor, ele [o hacker] tá aí, ele vai almoçar e vai aí independente do teor do depoimento, tá? Então, independente do que o chefe fala, ele vai aí. Então, entre 13 e 14 horas no máximo, ele tá chegando lá no teu local. Tá firme? Grande abraço. Qualquer dúvida, me liga. Força”.
À reportagem Victor Carvalho disse que enviou o depoimento do hacker ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) após identificar que ele falava “lé com cré”.
Casa do Lira
Em um áudio datado de 19 de dezembro de 2022, o chefe de gabinete de Mário Fernandes, o coronel Reginaldo Vieira de Abreu, fala que pediu aos manifestantes que fossem para ao Palácio da Alvorada, mas que Bolsonaro não teria aparecido.
Em seguida, o coronel Vieira fala na possibilidade de enviar manifestantes para a casa de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, mas que teria vergonha de pedir após os apoiadores terem ficado três horas no aguardo de Bolsonaro.
“Pô, eu pedi pro pessoal ir lá pra casa do presidente, lotaram, ficaram três horas lá, ele nem apareceu. Deve tá com vergonha, né? Aí pedir pro pessoal ir lá pra casa do Arthur Lira. Aí, pô, eu tô com vergonha de pedir”, diz. “Ele que tenha coragem moral, pelo menos até quinta-feira, falar que não quer mais, né? Pessoal, pelo menos, passar o Natal em casa”, completa Vieira em áudio ao general Mário Fernandes.
Caio Crisóstomo/Folhapress